Pensando alto
Você pode deixar muitas pessoas para trás, pode fingir que nenhuma delas de fato existiu na sua vida, pode apagar o telefone, o endereço e até a maioria das lembranças. Tudo pode ser formatado. Algumas irão embora sem dar tchau, esquecendo-se de todos os momentos, não importando se você está ou não preparado, apenas lembre-se: algumas pessoas não se importam, não se preocupam, não sentem, e se por ventura sentirem, certamente não é o mesmo que você sente. Outras, mais corajosas, conseguem, mesmo sabendo da própria dor e da dor que causará no outro, dar um ponto final digno a quem um dia foi importante. Ir embora sem dar a chance do outro argumentar, ou ao menos de se despedir, cria na pessoa que ficou, um buraco que demora muito tempo para ser preenchido. Conheço algumas pessoas que nem em uma década conseguiram preencher o vazio que ficou.
Relacionamentos terminam, claro que sim, mas não terminam sozinhos, alguém tem que fazer o papel de carrasco. Hoje você, amanhã eu, o outro é sempre variável. O que de fato me incomoda é a maneira, cada vez mais insensível e imatura, que os relacionamentos terminam. Claro que o mundo mudou, as pessoas mudaram, estamos na era do desapego, ninguém lembra da terceira lei de Newton, mas todos querem praticar a lei do desapego - seja lá o que isso for!
Desapego não é sinônimo para descartável e acho que é por isso que as pessoas confundem. Desapego tem a ver com let it be - deixe estar, deixar ir, deixar fluir, sem esforços que não levam a lugar nenhum, sem batalhas coordenadas por egos feridos e problemáticos. Desapegar, não se prender, não fixar, não criar raízes em algo fora de nós mesmos, esse é o sentido real da palavra. Perceba que nada tem a ver com não pensar em futuro, não planejar, não sentir, não se apaixonar e não amar.
Se existe alguma coisa que nos incomoda, cortemos o mal pela raiz, afinal, por que consertar algo que já sabemos imperfeito, se podemos nos reinventar e começar algo "perfeito" com outra pessoa? Não podemos é perder tempo sofrendo, a vida segue e precisamos estar sorrindo, felizes e de preferência, o mais breve possível, acompanhados de um novo alguém.
Admiro quem casa de papel passado, faz festa, convida uma porção de gente (em sua maioria, pessoas que nem ao menos se importam realmente), admiro quem diz sim em uma igreja cheia de pessoas que estão mentalmente fazendo apostas (alguns literalmente) na duração do casamento. Há que se ter muito peito mesmo para colocar um vestido caro, contratar decoração, buffet, salão e tudo mais para alimentar a maldade alheia. É preciso coragem para assumir o desejo de construir um futuro junto com outra pessoa numa época em que o prazer pessoal, o ego (e o seu filhote egoísmo) estão acima de qualquer outro sentimento.
Não temos tempo para relacionamentos longos, assim como também não temos para ler aquele livro mais grosso que ganhamos no natal passado. Quero tudo, mas só se for agora. Problemas são rapidamente solucionáveis (a vida é assim mesmo, como você não sabia disso?), sempre existe algum conselho, alguém para ligar na hora do aperto, alguém para jantar quando o relacionamento fica chato, alguém para nos fazer rir quando o nosso "amor" só sabe reclamar. É tanta variedade que não conseguimos fixar em nada, nem mesmo na gente.
Que somos adaptáveis, isso tenho que concordar, mas discordo fatalmente dessa mutabilidade extrema instalada no mundo. Há que se mudar, com certeza, mas sem esquecer do caminho que nos trouxe até aqui, sem esquecer das pessoas que nos ajudaram a levantar nas rasteiras que a vida nos deu, sem esquecer do que pregamos na hora de falar, sem esquecer que a vida sempre devolve na mesma moeda, cada centavo de troco.
Nada é infinito, tudo é efêmero, mas ao lidar com o outro, tenha ao menos o cuidado de devolve-lo melhor para o mundo.
Comentários
Postar um comentário