Sem vestígios

Ela sempre quis escrever a história sem deixar vestígios nas entrelinhas, assim envolveria o leitor em seus personagens e a vida dela seria prontamente esquecida. A relação com os livros veio desde pequena. Cresceu rodeada deles, e na faculdade adorava ir à biblioteca, passando horas escolhendo quais levaria para casa. Sempre teve dificuldade em escolher, ainda mais diante de tantas opções. Os colegas achavam exagerado o número de livros, mas eles sabiam que ela lia porque quando perguntavam ela contava a história com o olhar brilhando.
Um jeito tolo de fingir ser quem não é, ou de aparentar ser mais forte do que falam por aí. Qual a finalidade desse jogo de esconder, se no fim ela só quer ser encontrada? Talvez tenha entendido que se não falasse nada, nada poderia ser repetido. Que se calasse, seria mais feliz. Que se ninguém soubesse, tudo aconteceria exatamente como ela havia planejado. Entendeu errado e agora mal conseguia ficar em pé. Não conseguia nem ao menos prender suas vontades, quem dirá outra pessoa. Não era mais o que foi um dia e nem ao certo sabia se um dia havia sido, ou se tinha inventado toda a história.
Uma vida perfeita, para os outros, não para ela. Ela não era nem de longe aquela que supunham que era, ela era o tipo de garota que cortava feito caco de vidro qualquer um que dela tentasse se aproximar. Uma maneira de se defender, acredito eu. Queria ganhar o mundo, ter asas para voar, mas tinha medo de ir sozinha até a esquina. Queria conhecer todos os lugares possíveis, como um marinheiro que viaja e nunca se prende a porto nenhum. Queria os sorrisos que dela tiraram. Queria saber como diminuir o buraco que havia ficado. Agora, sentia-se manca mesmo tendo todos os membros. Sozinha, mesmo estando acompanhada. Havia compreendido que chorar não resolvia os problemas, apenas borrava a maquiagem e sujava a fronha do travesseiro que ela mesma teria que lavar mais tarde.
O tempo passou, muitos passaram, até que ela descobrisse que nem sempre as coisas eram como ela queria, mas que sempre acontecia o que tinha que acontecer. Agora era tarde, não tinha mais volta, nem jeito. Tudo que um dia foi, hoje já não é mais, escorreu pelas mãos e pelos olhos. Ela, simplesmente ela. Sozinha. Acompanhada apenas da alma, mas ainda em busca de algo que faça a vida inteira ter valido a pena. 

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